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A “quase” verdade por trás do bolo Red Velvet.

  • 13 min read

Contar a história de uma receita não é fácil, ainda mais quando papel e caneta nem sempre eram itens facilmente encontrados dentro de uma cozinha, escrevendo então… a maioria dos cozinheiros não sabia. Por isso, viver em hipóteses e ter o enredo modificado muitas vezes, é mais do que comum.

Uma das receitas mais populares e tradicionais dos Estados Unidos, tem sua história toda baseada em um corante, divulgada através de uma receita de bolo na década de 40 por John Adams, afim de aumentar as vendas de sua empresa de corantes e essências. Basicamente, o Red Velvet é fruto de conceitos capitalistas e puramente comerciais, nada de histórias inspiradas ou romantizadas. Mas nem tudo está perdido, as raízes de sua origem rendem uma boa história de inovação e oportunidades!

O bolo Red Velvet, ou Veludo Vermelho, para quem não sabe, possui camadas de uma massa avermelhada coberta por grandes colheres de corante, com leve sabor de cacau contrastando com camadas brancas e cremosas de recheio (originalmente) de mingau e manteiga. Mas falar em original é desejar entender que o nome tão conhecido desse bolo aveludado, já foi modificado uma série de vezes, e portanto, para início da história, o termo “veludo” é o que realmente importa.

A primeira publicação canadense em agosto de 1871, na revista The New Dominion Monthly , e posteriormente na revista americana Ballou´s Monthly Magazine , em novembro do mesmo ano, revela uma receita de Velvet Cake (sem o termo vermelho) que corresponde a um bolo amanteigado (sem chocolate) saborizado com extrato de limão e, conforme a publicação, “muito melhor que um pound cake”.

Ballou´s Magazine, 1871 e Buckeye Cookery and Practical Housekeeping, 1877

fatia de red velvet cake no prato

Além disso, existem registros que indicam que no mesmo período, cozinheiros já utilizavam farinha de amêndoas ou amido de milho para suavizar a proteína da farinha e fazer bolos de textura mais fina (e aveludada), de onde teria surgido o então termoveludo. Essa necessidade de criar massas mais folhas fez com que outros ingredientes também fossem adicionados às receitas, como o soro de leite coalhado (leitelho ou buttermilk em inglês), vinagre, cacau em pó e café, gerado na receita do Brown Velvet Chocolate Cake e , chegando inclusive à criação do primo mais próximo do bolo de veludo, o famoso bolo de comida do Diabo.

Em Buckeye Cookery , de Estelle Woods Wilcox (Minneapolis, 1877), uma receita de bolo “melancia” indicava o uso de “açúcar vermelho”. Também no início da década de 1870, uma empresa de Chicago, a Price Baking Powder lançou um corante para uso doméstico, o “Dr. Price´s Fruit Coloring”. A partir desse período, tingir comida se torna mais fácil e comum e, ao contrário do bolo Red Velvet, as receitas do século 20 apenas sugeriam algumas gotas de corante para acentuar a cor dos bolos de chocolate.

A partir da década de 30 receitas de bolo Red Devil´s food cake foram anunciadas nos jornais como um bolo de Natal, e assim identificamos a primeira possibilidade de uso de maiores ingredientes do corante. Mas (sempre existe um mas) existem outros fatos, e talvez o bolo Red Velvet tenha sido criado entre a elite americana no famoso hotel Waldorf em Nova Iorque.

O primeiro registro de um bolo que utilizaria uma quantidade mais generosa de corante é do Waldorf Red Cake, em 1959. Até esse ano o hotel, localizado em Nova Iorque, nunca havia servido red velvet cake (ou o Waldorf red cake) ou qualquer outro tipo de bolo semelhante. Por isso, alguns acreditam que a história criada em torno do hotel e do bolo não é nada mais do que uma lenda urbana.

Segundo a lenda, um casal havia jantado no restaurante do hotel e pedido uma fatia de bolo de chocolate para a sobremesa, a esposa havia gostado tanto que pediu a receita ao garçom, que concordando, cedeu a receita. Só que por tamanha gentileza foi cobrado um preço altíssimo e então, revoltados, o casal começou a distribuir a receita para muitas pessoas afim de se vingarem do hotel. Inclusive, uma edição de 22 de maio em 1959 do The Press-Gazette , de Hillsboro , Ohio, referindo-se ao hotel Waldorf, (só que de Chicago), publicou a receita do bolo com a chamada: “Essa é uma receita de US$ 300”. O bolo então, sem a cobertura, passou a ser conhecido como bolo de $ 300 (ou “qualquer quantia de dólar”). Três dias depois, a edição de News-Journalpublicava a receita do Waldorf Red Cake, incluindo uma cobertura branca de leite, açúcar, farinha e manteiga.

                                                  A Gazeta de Imprensa, 1959

“ Receita da Semana

Esta é uma receita de $ 300,00! Sim, esse preço foi realmente pago por isso e você está recebendo de graça! Parece que um dia serviram este bolo a duas jovens senhoras quando comiam em um hotel de Chicago e, como era um pouco incomum, elas perguntaram se poderiam ter a receita. O hotel agradeceu e pediu que escrevessem seus nomes e endereços. Pouco tempo depois, eles receberam uma conta de $ 300 e, depois de irem ao tribunal, o veredicto foi de que eles eram obrigados a pagar a conta.

Esta receita é uma contribuição da Sra. Homer Watts de Rainsboro:

Bolo Vermelho Waldorf

Bata até ficar cremoso 1/2 xícara de gordura, 1 1/2 xícara de açúcar; adicione 2 ovos e 1 colher de chá de baunilha; faça uma pasta com 2 colheres de sopa de cacau, 1/4 xícara de corante vermelho (adicione à mistura); peneire 2 1/4 xícaras de farinha, 1 colher de chá de sal; adicione alternadamente 1 xícara de leitelho com farinha e mistura de sal acima; misture 1 colher de sopa de vinagre e 1 colher de chá de refrigerante (adicione à mistura, apenas misturando. Certifique-se de fazer isso por último, adicionando-o imediatamente à medida que espuma); asse em duas assadeiras de 9 polegadas por 25 a 30 minutos a 350 graus. Resfrie camadas divididas e geada.

Sim, isso é realmente “1/4 xícara de corante vermelho”, mas a Sra. Watts e eu achamos que metade dessa quantidade de corante vermelho será suficiente, use água para o resto do quarto copo. Quando a Sra. Watts fez este bolo, ela usou 2 frascos do corante A'hich, que era apenas metade da quantidade pedida na receita. Não temos certeza se vale US$ 300,00, mas você pode experimentar e ver o que acha.” (texto extraído da edição original do The Press-Gazette, 1959)

Outras fontes atribuem o uso do corante ao Sr. Adam, da Adams Extract & Spice Company of Gonzales , no Texas, no intuito de aumentar suas vendas na década de 40. Ele e sua esposa haviam comido o bolo Red Velvet no hotel Waldorf, como conta Sterling Crim, sócio e diretor de marketing da Adams Extract Company, em entrevista ao jornal NY Times, afirmando que foi esse, o bolo responsável pelo caminho que a empresa passou a seguir. Entretanto, o registro mais antigo, encontrado na própria empresa, de um bolo com o uso do corante, data de 1962.

Depois que o FDA (Food and Drug Administration) – que é um órgão regulador de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos (assim como a Anvisa no Brasil) presumiu em 1938 o uso de corantes alimentícios, sob controle estrito, o Sr. finalmente poderia aumentar muito mais as vendas de seus corantes e, distribuir a receita de um bolo vermelho seria a maneira mais fácil de atrair o público.

red velvet cake

Folheto da Adams Extract com a receita de Red Velvet Cake

Na década de 40 a empresa do Sr. Adams adicionou corante a uma receita de bolo e imprimiu folhetos que eram distribuídos juntamente com suas essências de baunilha e manteiga (que era muito popular durante a Segunda Guerra Mundial quando havia racionamento de manteiga). Armados com corantes e uma receita de supermercado, o bolo (eo corante do Sr. Adams) se seguidos por além das fronteiras texanas, ganharam fama e novas receitas apareciam em concursos culinários organizados por diversas empresas para promover mais e mais seus produtos. Inclusive o Pillsbury Bake-off realizado no Waldorf, na década de 50.

Outras histórias ainda sugerem que uma dona de casa da década de 50, insatisfeita com a cores de seus bolos de chocolate mistura uma pequena quantidade de corante vermelho para intensificar a cor e, simplesmente errou na medida. Ou ainda (ainda!), um confeiteiro qualquer desejava preparar um bolo vermelho para o Dia dos Namorados ou qualquer outra ocasião e recorreu ao uso do corante. Independente da intenção, o bolo então, com grandes doses do corante, passou a ser chamado também de flame cake, red Mystery Cake, Red Feather (de textura tão leve como uma pena) red cake, red regal cake e red carpet cake.

O primeiro registro que nomeava o bolo como Red Velvet Cake é de 1960. Nesse ano a rede de supermercados de Seattle, a Foodland, anunciava a venda do Waldorf Red Velvet Cake até que na edição de 16 de junho, de 1960, a revista Denton Record Chronicle anunciava a receita do Red Velvet Cake.

Denton Record-Crônica de Denton, Texas

O primeiro prêmio, concedido pela Maryland State Fair , em 1960 foi dado para o bolo Red Velvet de Wiliam Baker. Outros caminhos indicam também que o bolo teria surgido como uma especialidade da loja canadense Eaton, sendo vendido como uma sobremesa exclusiva e inventada por Flora McCrea Eaton, o “Eaton´s New Red Velvet Cake” em 1961. Sem o conhecimento de qualquer cliente ou estabelecimento que tenha consumido o bolo, é difícil verificar a origem canadense.

Red Velvet Cake também estava nas linhas da edição de 1972 de Friedland Cook Book: Past and Present , da Carolina do Norte. E assim, concluiu-se que a região Sul dos Estados Unidos criou a popularidade do bolo Red Velvet.

Apesar da fama dos dias atuais, o bolo red velvet nem sempre esteve entre os mais adorados e populares doces na lista dos tradicionais doces americanos. Em 1972, James Beard disse que o bolo era sem graça e outras autoridades no assunto, como a escritora Rose Levy Beranbaum nunca mencionou uma linha sequer ao tão aclamado Red Velvet em suas publicações.

Em 1976, o FDA proibiu o uso do corante Red Dye n°2 , o mais popularmente utilizado, e como donas de casa então pararam de fazer o bolo red velvet. Posteriormente um bolo de casamento Red Velvet em formato de tatu (uma tradição sulista) apareceu em 1989 no filme Stell Magnolias , atraindo novamente a atenção do público. Ainda nessa época, a cobertura feita com cream cheese substituiu a original e então, em poucos anos, o Red Velvet voltou a ser um dos bolos preferidos dos americanos.

Em 1996 com a abertura da Magnolia Bakery, o bolo então ganhou fama e conquistou de vez os americanos, tornando-se o bolo mais vendido e até transformado em cupcake. Assim a corrida começou, e novas versões foram surgindo afim de tornar a cores mais naturais para alérgicos e especialmente pessoas que buscam uma alimentação livre de corantes. Os mais tradicionais afirmam que o sabor do red velvet é totalmente influenciado pelo corante utilizado. Mas eu pergunto: desde quando corante tem sabor?

A entrada do recheio feito com cream cheese é ainda um mistério. Arquivistas da Kraft Foods (que engloba a marca de cream cheese Philadelphia) afirmam que a primeira receita de recheio feito com cream cheese consta em um livro corporativo na década de 40. Mas não se sabe se é mais uma jogada de marketing da empresa, pois a informação nunca foi comprovada.

Independente da linha da história, o bolo Red Velvet deve ser úmido, macio, com uma leve acidez e um sabor suave de cacau. A receita original, feita com gordura vegetal (em uma época em que a manteiga era escassa) produz uma textura mais macia, entretanto, variações do uso de outros tipos de gordura, como óleo vegetal, torna o bolo mais úmido e variações de preparo, como por exemplo, o método espumoso, deixa o bolo mais seco.

O ingrediente comum em todas as versões “originais” é o leitelho, misturado com vinagre e claro, o corante vermelho famigerado. Como substituição ao uso do corante, alguns confeiteiros mais bem intencionados passaram a utilizar o suco de beterraba reduzida, mas fazer com que a betacianina (pigmento natural presente na beterraba) haja corretamente no seu bolo, é preciso de uma receita que equilibre bem os componentes que poderia comprometer o resultado.

O bolo Red Velvet possui uma fila de críticos que consideram um bolo sem sabor e repugnam o uso do excesso de corante, mas seus fiéis e admiradores tradicionais estão inspirados pelo mundo, criando versões de brownies, cookies, trufas e cupcakes, com as mais diversas cores (como o Blue Velvet Cake ou o Green Velvet Cake para o St. Patrick day) afim de continuar traçando a história do bolo que mais instiga a nossa criatividade.

Referências

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CASTELLA, Cristina. Um mundo de bolos : 150 receitas de tradições de rua de culturas próximas e distantes. Storey Editora, 2010.

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TEMPOS, O. O bolo Red Vekvet encontra uma nova história no País de Gales. Disponível em: <http://www.thetimes.co.uk/tto/public/finest/article3898120.ece> Acesso em 20 de outubro de 2014.

red velvet cake cortado

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